10 de maio de 2008

“Sou a favor da liberdade” Entrevista com Mano Brown por Mano Shetara

Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e outros clássicos se comparados a esta figura que é Mano Brown parecem vovôs conservadores gagás que comem roscas com chá às 3 da tarde.
Quem o ouviu cantando percebe que a rebeldia classe média de Renato Russo e Cazuza já não pega mais entre os jovens de periferia e até entre os jovens de classes mais abastadas que ouvem Racionais MC's. A maior expressão de juventude rebelde das classes oprimidas mostra que ter opinião forte e rebeldia ainda é possível, e natural, nestes tempos em que essas características são construídas em gabinetes de marqueteiros e empresários.
Mano Brown é a fala de tudo aquilo que o capitalismo mais selvagem quer esconder. Mostra sem dó nem piedade o que os conservadores de direita mais odeiam e, por outro lado, o que a classe média intelectualizada de esquerda quer ver de longe em seus livros, estatísticas e documentários, mas tem medo de ter na sua família, roda de amigos ou encontrar na rua de verdade.
O hip-hop cantado em forma de rap só tem a agradecer a este filho rebelde que mostra a realidade do Brasil que nós, os manos, fazemos questão de mostrar, enquanto outros fazem questão de embelezar.



Vermelho: Qual sua opinião sobre a pressão que você recebe por ser a liderança que é?
Brown: Eu acho que quem vive na periferia é pressionado, quem é preto vive sob pressão de branco e também dos próprios pretos. Todo mundo cobra muita atitude me mim, morô mano. Como se eu fosse um apóstolo de Jesus. Sou um cara comum e é isso o que eu quero dizer!
Mano Brown e Mano Shetara

Vermelho: Um dos seus sucessos foi a música "Diário de um detento" que foi escrita por Jocenir, um preso do Carandiru, e que você aperfeiçoou a letra. Qual a sua visão sobre os manos que estão presos? Qual a mensagem?
Brown: Tenho dois tipos de mensagem: uma: na lei do mundo você tem que ser justo. Se você reclama da justiça do mundo, pelo menos justo com seus parceiros na cadeia você tem que ser, tá ligado. Tem que ser justo com seus manos na cadeia sem covardia, sem trairagem. Agora, na outra justiça você tem que recorrer é à de Deus, morô! Procurar a palavra certa e o livro certo, porque o mundo mata ou lhe mente. O dinheiro já levou muitas pessoas pro buraco. E a fase que os manos estão vivendo dentro da cadeia é como se fosse uma escola. Toda criança tem que passar pela escola, então os manos que foram escolhidos para passar por esta escola têm que ser os melhores alunos. Tá ligado, entendeu mano? Eu espero que os manos que estão lá procurem o bem e não o mal. Porque maldade gera maldade, que gera ódio, gera vingança; entendeu? A luta só pelo dinheiro, não pelo dinheiro justo, gera violência, gera cadeia, gera sofrimento.

Vermelho: Pra onde você acha que está indo o movimento hip-hop atualmente ?
Brown: Ô mano, vou ser sincero com você, tenho esperança nos grupos novos que estão surgindo. Nos grupos que estão aí eu não sei, eu tenho medo. Eu sei de mim... Dos outros caras que estão aí, é difícil falar. Tem muito grupo desmanchando, e isso não é bom. Tem também vários grupos mudando de ideologia, posição e letras de um dia pro outro — conforme a moda traça o caminho eles vão. Eu tenho esperança em muitos grupos que estão surgindo, talvez estes vão revolucionar o rap, que sempre ameaça explodir e então acaba implodindo. Não sei se todos vão compartilhar minha opinião, mas de tanto ameaçar explodir e não acontecer, acaba enfraquecendo de uma vez o movimento. Precisamos de uma geração forte, entendeu mano! E muito pé no chão. Tem muito mano viajando pra caralho!

Vermelho: E esta mídia que vive tentando comprar o Racionais MC's?
Brown: A mídia é o seguinte mano, eles compram tudo né cara: carro, casa, roupa, etc. Tudo o que é anunciado é deles. Estes caras também querem comprar uma parcela do rap, porque o rap eles não têm ainda — pelo menos não o Racionais, e talvez por isso sejamos tão atacados. Nós temos um estilo de vida que é o seguinte: nós não nos vendemos nem pra preto nem pra branco, o Racionais é o que é, do jeito que é. Tudo o que tem no mundo os caras acham que podem comprar com o dinheiro, e eles também querem ter o rap, pois é como um brinquedo a mais que está faltando na prateleira deles, entendeu mano!?

Vermelho: Você acha que seu filho vai ver um mundo melhor do que você viveu?
Brown: Eu acredito que o mundo não tem como piorar mais, então a tendência é melhorar. Quando você chega ao fundo do poço a tendência é subir.

Vermelho: Nos trabalhos antigos dos Racionais MC's você tinha postura mais intelectual sobre as coisas e neste último trabalho a linha mudou muito, ficou mais de rua. Comente essa diferença.
Brown: Acho que agora neste último trabalho a gente está mais próximo da gente mesmo. Acho que consegui ser mais eu mesmo agora. Estou tentando ser cada vez mais eu mesmo, entendeu? Não ser vinculado a nada, só a Deus e minhas opiniões, eu tentava mostrar uma imagem do que não era, tá ligado? E isto não me agradava. Eu queria mostrar a imagem de um cara que não falava gíria, que não falava o português errado. Eu falo gíria, eu falo palavrão, eu falo isso tudo. Então, tenho que ser eu mesmo. É isso o que estou tentando ser: eu mesmo, só isto.

Vermelho: Mano Brown, as rádios comunitárias jogam um papel importante no movimento, o que você acha desse tipo de rádio?
Brown: Mano, acho o seguinte: rádio comunitária é liberdade e eu sou a favor da liberdade. Elas têm um trabalho importante porque falam a língua do povo, e porque estão mais próximas do povo. As rádios comerciais têm o dom de fazer o contrário, usar o povo, ganhar o dinheiro do povo e ainda ser contra o povo!

Vermelho: O que você acha dos playboys que curtem o rap do Racionais MC's?
Brown: É lamentável, mas é dinheiro no meu bolso!

Vermelho: Qual é saída para os negros no Brasil na sua opinião?
Brown: Escola!! Escola, mas o governo não investe em escola, investe em ponte, em estrada. Tem que investir em escola!

Vermelho: Qual é o toque que você deixa pros manos?
Brown: Aí, eu quero deixar um toque: pra você nunca matar seu sonho, pra sempre manter seu sonho vivo, sempre que você tiver um sonho, você cria. Não vai matar seu sonho nas drogas nem por onde está o dinheiro mais fácil. E, ainda mano, o sonho não fica preso atrás de uma grade, nenhum juiz o prende, ele tem que ficar sempre vivo, mas tem que ter liberdade para ser executado por estes caminhos aí...

* Mano Shetara é colunista do Vermelho, autor dos livros "Canos, Rimas, Ruas e Manos" e "A Nação Hip-Hop", e é comentarista do programa Espaço Rap da rádio 105 FM - SP.

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